Reflexões sobre democracia a partir da política científica e tecnológica brasileira
- Thais Lassali
- 16 de abr.
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Atualizado: há 6 dias
No último dia 4 de abril, o Instituto de Geociências da Unicamp sediou o evento “A política científica e tecnológica no Brasil”, em comemoração aos 40 anos da criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Departamento de Política Científica e Tecnológica do instituto (DPCT). A cerimônia contou com a presença da atual ministra do MCTI, Luciana Santos, de pesquisadores, de representantes de órgãos vinculados à pasta e de docentes do departamento. Como a Profa. Janaina Pamplona da Costa, chefe do DPCT, bem resumiu na mesa de abertura do evento, o que se pretendia era “trazer uma reflexão sobre a história da política científica do Brasil hoje e para os próximos 40 anos”.

O evento se dividiu em duas mesas, uma durante a manhã, sobre o MCTI, e outra, à tarde, sobre o DPCT. Em ambas, páginas da história dessas instituições foram rememoradas, mas, mais do que isso, o que se debateu foram as particularidades dos debates sobre política científica no Brasil.
Se é possível resumir o que fora discutido no evento em apenas uma palavra, ela seria “democracia”, em toda sua complexidade e com todas as suas contradições, principalmente pelo esquadro da política científica e tecnológica brasileira. Como relembrou a Profa. Francilene Garcia durante a mesa da manhã, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, instituição da qual ela é atualmente vice-presidenta, desde os anos 1960 promoveu discussões sobre a necessidade de existir um ministério voltado para essa área. De modo análogo, Carlos Pacheco, diretor-presidente da FAPESP, apontou que “a ossatura básica do sistema de ciência e tecnologia brasileiro se deu nos anos 1970”. Mesmo assim, foi apenas na retomada democrática, em meados da década de 1980, que se considerou oficializar, por meio da criação do ministério, uma política pública voltada para a ciência e tecnologia brasileiras.
Não é coincidência que isso tenha ocorrido dessa forma. A redemocratização, até certo ponto, possibilitou um rearranjo de forças políticas no país. Ainda que, na prática, “o sistema se preservou sem mudar” (Nobre, 2013), existia no período um presumido “otimismo” entre acadêmicos, intelectuais e grupos políticos de orientação mais progressista de que o acirramento contra a Ditadura Militar poderia fazer o país ao menos debater seus problemas sociais. O movimento por “Diretas Já” acabou aglutinando diversas pautas democráticas ao seu redor, como aquelas que debatiam a importância do acesso à educação e à cultura, e, nessa mesma seara, estava a preocupação com a política científica e tecnológica brasileira.
Um dos presentes da mesa da manhã foi Luciano Coutinho, professor do Instituto de Economia da Unicamp e secretário executivo do ministério desde a sua fundação, em 1985, até 1988. Ele contou aos presentes que foram justamente as pressões dos movimentos democráticos que acabaram por fazer com que o presidente Tancredo Neves, à época recém-eleito, concordasse com a reivindicação de se criar um ministério específico para a ciência e tecnologia brasileiras. Esse compromisso foi honrado por seu vice, José Sarney, mesmo após a morte de Tancredo.
Os fundadores do ministério, Coutinho incluso, queriam que a pasta não se focasse apenas em questões informacionais, o que a tornaria meramente burocrática. Pelo contrário, Renato Archer, primeiro a ocupar o cargo de ministro de Ciência e Tecnologia, e sua equipe queriam abordar diversas áreas de interesse nacional, como a biotecnologia, a química fina de produção de insumos para fármacos, novos materiais tecnológicos, etc. Relembra Coutinho:
“o maior desafio do ministério era articular os sistemas de C&T aos outros ministérios, convencendo os ministros da importância e da necessidade de trabalharem suas políticas em conjunto”.
A grande inspiração para a fundação do MCTI era pensar a política de C&T como um projeto a longo prazo.
Sabemos que tais forças não se rearranjaram tanto quanto a esperança gestada nesse momento do país gostaria. Como Garcia e Pacheco também apontaram, muitas vezes, no decorrer desses quarenta anos, o MCTI parecia ser um ministério à deriva justamente por não conseguir ocupar, pela complexidade dos arranjos políticos de Brasília, esse lugar de ministério “inter-ministerial” ou então de “cabeça” do sistema de C&T. Dessa forma, a depender de quem ocupasse o cargo de presidente, o MCTI ganhava mais ou menos prestígio, mais ou menos atenção e verbas, e, igualmente, a política científica e tecnológica se mantinha à reboque dessa deriva. Percalços típicos da cambaleante democracia brasileira.
Em 1965, o médico Zeferino Vaz, figurinha carimbada no estabelecimento e no desenvolvimento de diversas universidades do interior paulista, foi incumbido da missão de organizar e estabelecer uma nova universidade na cidade de Campinas. Em meio à Ditadura Militar, Vaz buscou, dentro e fora do Brasil, um quadro politicamente diverso de professores interessados em encabeçar a Universidade Estadual de Campinas, concebida como um projeto interdisciplinar de universidade (Gomes, 2007). Foi justamente a convite dele que, em 1979, o professor Amilcar Herrera chegou ao Brasil, depois de um período de exílio de seu país, a Argentina.

Sua missão era a de fundar o Instituto de Geociências da ainda jovem Unicamp. Herrera trouxe consigo a marca da interdisciplinaridade que é característica não apenas do instituto, mas também do departamento do qual foi fundador, o DPCT, como rememoram a professora Leda Gitahy e o professor Newton Pereira. Como fora repetido diversas vezes no decorrer da mesa da tarde, o tino interdisciplinar é justamente o que diferencia e destaca o Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp. E isso advém não apenas do projeto inicial de Vaz para a universidade, mas, principalmente, da idiosincrasia intelectual de Herrera: geólogo de formação, mas com atuação profissional e acadêmica interdisciplinar. Além de fundar o departamento, Herrera também acolheu na fundação do IG e ajudou a formar diversos dos professores que até hoje o compõem.
Pensar a política científica e tecnológica de modo interdisciplinar, como pretende o DPCT, significa compreendê-la a partir de suas complexidades e em suas mais diferentes frentes, desde os estudos sociais da ciência, passando pela compreensão de dinâmicas políticas, territoriais e ambientais associadas aos sistemas técnicos, até a gestão de tecnologia e inovação. Desse modo, mesmo aos trancos e barrancos democráticos, dos quais a política tecnológica brasileira sempre esteve à mercê, pode-se criar um espaço intelectual que reflita sobre as complexidades e as contradições do Brasil e do capitalismo brasileiro.
Referências bibliográficas
GOMES, Eustáquio. O Mandarim: história da infância da Unicamp. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
NOBRE, Marcos. Imobilismo em Movimento: da redemocratização ao governo Dilma. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
Com a colaboração de Maria Clara Ferreira Guimarães (AmazonFACE) e Yama Chiodi (LABMEM).
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