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Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciência e Tecnologia

Foto do escritorYama Chiodi

O futuro do acesso à justiça e o uso de IA no judiciário brasileiro: uma conversa com a Dra. Sara Munhoz

Atualizado: 31 de jul.

A pesquisadora Dra. Sara Munhoz é a mais nova pós-doc do GEICT e sua pesquisa suscita uma importante reflexão sobre as associações possíveis entre tecnologias de dados, acesso à justiça e os processos de decisão no Superior Tribunal de Justiça. A centralidade das inteligências artificiais generativas no debate público aproximou de modo inesperado uma antropologia do direito e os Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Conversamos com a pesquisadora sobre sua trajetória  acadêmica e o que podemos esperar de sua pesquisa no GEICT ao longo dos próximos anos. 


Close do rosto da pesquisadora Sara Munhoz
Foto por Andri de Oliveira.

Trajetória



No começo de 2024, a antropóloga Dra. Sara Munhoz se juntou ao GEICT como pós-doc, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Sua trajetória pessoal de pesquisa começou no bacharelado de Ciências Sociais da UFSCar, em 2007, onde desde a iniciação científica mostrou interesse na pesquisa do direito nacional. O que começou com um estudo do impacto do grupo conhecido como "Centrão" na Constituinte de 1987-1988, ganhou novos contornos a partir de seu ingresso ao grupo Hybris – Grupo de Estudos sobre Relações de Poder, Conflitos e Socialidades, coordenado pelos professores Jorge Villela (UFSCar) e Ana Cláudia Marques (USP). Segundo ela, "Naquele momento, o Hybris era recém-nascido e, na UFSCar, começou a congregar um conjunto muito interessante de alunas e alunos interessados em modos de vida e políticas prisionais, redes de cuidados e segurança pública na contemporaneidade, sempre a partir de uma abordagem processual e eminentemente etnográfica". Ainda que tivesse uma ênfase na ciência política à época, a pesquisadora diz que se formou na graduação já certa de que faria pós-graduação na antropologia e com franca predileção pelo método etnográfico. Essas tendências se confirmaram na sua pesquisa de mestrado. 


No mestrado, desenvolvi uma etnografia sobre o atendimento a adolescentes autores de práticas infracionais em uma instituição católica na Zona Leste de São Paulo. Acompanhei os técnicos encarregados de manejarem localmente as propostas individuais de atendimento para cada menino em Liberdade Assistida, interagindo simultaneamente – e principalmente por meio de documentos – com as exigências vagas, mas incontestáveis, do poder judiciário, com os meninos e com suas famílias.

A pesquisa de mestrado evidenciou seu  interesse em trabalhar com documentos de uma perspectiva etnográfica, levando outros olhares aos processos de decisão do sistema judiciário - o que viria a ser também fundamental em seu doutorado. Antes que voltasse às atividades de pesquisa, contudo, Munhoz se dedicou por três anos à docência no sistema público de educação. 



Antropologia, documentos e o digital


A história do uso de documentos na pesquisa antropológica não é recente. Muito pelo contrário, marca as origens da disciplina, onde a chamada "antropologia de gabinete" era baseada quase exclusivamente em documentos de "segunda mão". Desde pelo menos a publicação de Argonautas do Pacífico Ocidental, de Bronislaw Malinowski, a antropologia começou a se alicerçar no método etnográfico e na pesquisa de campo feita em "primeira mão". Nesse novo contexto, explica a pesquisadora, "os documentos persistiram como fontes importantes à compreensão dos modos como se organizavam e eram mantidas as relações de violência e as assimetrias coloniais", mas, por outro lado, também ganharam um novo estatuto, como o que Annelise Riles definiu como "artefatos do conhecimento moderno". Munhoz explica que há um movimentado debate na história da disciplina sobre o uso de documentos como fontes de pesquisa antropológica e isso permanece vivo até hoje. 


O fato é que embora os últimos anos tenham sido marcados por uma atenção revigorada da antropologia aos documentos, a produção que os toma como objeto é muito vasta, distinta e já bastante consolidada. Entre essas pesquisas, muitas etnografias dedicadas ao direito e às instituições jurídicas, área que me interessa particularmente, passaram a enfatizar a técnica, a forma e as capacidades conectivas dos documentos em suas análises.

Ao longo de toda sua pós-graduação, orientada por Jorge Villela, as reflexões sobre o uso de documentos no trabalho antropológico, muitas delas inspiradas na metodologia genealógica foucaultiana, sempre estiveram presentes. Em ambas suas pesquisas, os papéis (fossem eles físicos ou digitais), foram objetos privilegiados de sua atenção. No mestrado, acompanhou em primeira mão a feitura e circulação de documentos junto aos técnicos do programa que ela etnografou. "Descrevi suas estratégias de escrita, o controle das palavras, os ritmos, as formas, a estética dos documentos que produziam no intuito de persuadir os juízes a respeito do modo como julgavam adequado construírem cada um dos atendimentos aos meninos". Autores como Riles e Latour foram fundamentais, mas ela também menciona a pesquisadora brasileira Catarina Morawska, da UFSCar,  que, para Munhoz, em seu trabalho "demonstra como documentos são catalizadores fundamentais na criação de “composições específicas” de mundo". Sua dissertação foi publicada pela editora EDUFSCar, em 2017, sob o título "O governo dos meninos: liberdade tutelada e medidas socioeducativas". No doutorado, suas atenções se voltaram para um vasto arquivo do Superior Tribunal de Justiça,  além de acórdãos promulgados pelo tribunal e manuais que orientavam o uso de aplicativos - de onde novas questões surgiram. 



a imagem mostra um documento de jurisprudência do STJ com alguns termos destacados.
Imagem retirada pela pesquisadora de "Jurisprudência: Módulo de Pesquisa", STJ, sem ano, pp. 5-6


O fato de muitos desses documentos serem digitais desde a origem – e disponibilizados exclusivamente por meio de uma ferramenta digital de buscas – e outros tratarem dos modos como essa ferramenta foi se conformando ao longo da história do Tribunal, fizeram com que eu incluísse em minhas referências, além dos autores mais voltados aos documentos e ao direito, também os interessados nas mídias, como, por exemplo, Lisa Gitelman e Cornelia Vismann. Passei a dedicar-me também à antropologia digital e à antropologia dos dados, áreas em diálogo próximo dos estudos interdisciplinares de ciência e tecnologia e também muito atentas às materialidades.

Continuando um percurso de renovação do interesse antropológico nos documentos, a centralidade contemporânea dos dados digitais e de suas tecnologias de produção e organização acaba aproximando campos que, historicamente, não necessariamente se conversam muito. Esse cenário torna muito mais factível, por exemplo, que processos de decisão do poder judiciário se tornem objetos de interesse para os Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (ESCT) - o que explica em parte a aproximação da Sara com o GEICT. E no doutorado dela  isso apareceu como questão: "Precisei levar em conta as especificidades dos documentos produzidos, apresentados e postos em circulação nesses aparatos outros, voltando-me aos sistemas, às bases de dados, aos aplicativos e ao que esses trânsitos e encontros são capazes de produzir". Um livro baseado na tese será lançado no segundo semestre de 2024, como parte da coleção Antropologia Hoje, publicado pela Editora Hucitec.



STJ, organização de dados e o acesso à justiça


O Superior Tribunal de Justiça foi criado a partir das mudanças institucionais e políticas que foram promovidas pela Constituição de 1988. Segundo Munhoz, é a instituição responsável por interpretar a legislação federal e garantir que sua interpretação seja propagada a todo território nacional por meio de jurisprudência, fazendo com que as instâncias inferiores sigam seus posicionamentos. Apesar de ser uma instituição protagonista no judiciário brasileiro, ainda há poucas pesquisas dedicadas a estudá-lo. De acordo com a Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), mesmo somadas todas as áreas do conhecimento, apenas 10 teses tiveram o STJ como tema ou objeto. Uma delas, a única na área de antropologia, é justamente A Paixão do Acesso, tese de doutorado defendida pela pesquisadora em 2020. Sobre a centralidade do STJ no nosso ecossistema jurídico, Munhoz explica: "Alega-se que sua jurisprudência, se bem uniformizada e quando satisfatoriamente divulgada, contribui diretamente à celeridade e à segurança jurídica em todo o país, índices elementares a uma justiça considerada democrática". Para ela, a importância do STJ foi ainda mais reforçada desde a promulgação do novo Código de Processo Civil, em 2015, quando foram criados mecanismos processuais que dão ainda mais peso às decisões do STJ. "Seus enunciados se tornaram mais difíceis de serem contrariados". 




Imagens do STJ feitas pela pesquisadora. Clique para expandir.



Em sua tese de doutorado a pesquisadora lidou com algumas ferramentas e procedimentos que formulam a  jurisprudência do tribunal, que impacta todo o sistema jurídico nacional. Para isso ela buscou materiais que até então não haviam sido avaliados em pesquisas acadêmicas: documentos produzidos pela secretaria que abastece e mantém a ferramenta de busca digital por jurisprudência no site do STJ. Sua etnografia buscou descrever os procedimentos técnicos envolvidos e como a ideia de democratização do sistema de justiça passa pelo manejo dos dados e processos digitais. 


Olhando para os procedimentos técnicos – completamente digitalizados – de classificação, síntese e divulgação ordenada do excesso de decisões promulgadas pelo Tribunal, demonstrei como a jurisprudência, na verdade, se faz longe dos gabinetes e das salas de julgamento. É o trabalho técnico e usualmente invisibilizado ulterior aos julgamentos que transforma dados abundantes e desordenados em informação significativa e influente, capaz de circular e de convencer, com peso de lei.  

Como resultado, sua tese aposta em uma  inversão do modo como a ideia de acesso tem sido tratada pelas ciências sociais interessadas no direito, principalmente na antropologia. A pesquisa concluiu que a acessibilidade não pode ser reduzida  ao acesso aos serviços processuais oferecidos pelo STJ, ou ainda à ideia mais geral de transparência, pensada meramente como facilidade de acesso aos dados. Para Munhoz, o que seja acesso, num contexto de pensar a democratização da justiça, passa necessariamente por pensar em como os dados são organizados e apresentados. Para isso, é preciso um olhar atento ao custoso trabalho técnico-documental de tratamento e sistematização de dados, que permitem que os enunciados já emitidos pelo STJ sejam tornados visíveis a diferentes tipos de usuárias de maneira célere e efetiva.

Seus esforços de pesquisa no doutorado, contudo, estão longe de terem esgotado a questão. A rede sociotécnica que compõe o STJ é complexa e tem se tornado particularmente interessante do ponto de vista da produção, organização e armazenamento de dados, uma vez que há uma franca tendência de que seus arquivos e jurisprudência se tornem exclusivamente digitais. Para entender como a infraestrutura do tribunal manipula e transforma dados digitais é preciso ver de perto, como faz a antropologia, o trabalho dos técnicos e das secretarias encarregadas de organizar e armazenar os dados que recebem ou produzem. E é nessa direção que vai sua pesquisa atual. À medida que crescem os usos potenciais de bases de dados digitais, cresce também a importância do uso de algoritmos de inteligência artificial, o que justifica por si só um retorno ao STJ mais atento ao impacto da implementação de ferramentas de automatização nas decisões do tribunal.  Justificando a importância de sua pesquisa de pós-doutorado, Sara acrescenta:


Argumento ser preciso examinar os impactos dessas novas formas de comparar, identificar padrões, indicar aproximações, sugerir previsões no modo como o Superior Tribunal conceitua a justiça. E, ainda, inspecionar de que maneiras particulares essas ferramentas de IA tem se vinculado aos enunciados a respeito da democratização do sistema de justiça nacional.


Inteligência artificial, mas qual?


Munhoz conta que ao longo da pesquisa de doutorado aproximou-se dos Estudos Sociais da Ciência Tecnologia (ESCT) à medida em que percebia a importância de avaliar a produção e organização de dados para o funcionamento do STJ. Até ali, contudo, essa aproximação foi um tanto casual. "Passei a prestar atenção aos procedimentos técnico-políticos realizados por analistas e aplicativos para a seleção, classificação e divulgação adequada e atrativa de documentos digitais, interessada nos ajustes cada vez mais finos da justiça e da democracia com o digital". No estágio pós-doutoral ela relata que sentiu a necessidade de um contato mais sistemático com os ESCT, para que pudesse dialogar de modo mais direto com os debates em torno das infraestruturas, controvérsias sociotécnicas e da governança de tecnologias - temas clássicos e que continuam importante ao campo. 


O fenômeno das inteligências artificiais é assunto epidêmico no debate público e certamente ganhou centralidade nos ESCT nos últimos anos. A presença massiva das IA na academia e na sociedade não garantiram até aqui, contudo, a especificidade que nos permita diferenciar com facilidade as muitas diferentes coisas que recebem o nome de "inteligência artificial". A popularidade de ferramentas de IA generativa, como o Chat GPT, tornaram o termo comercialmente valioso e capaz de capitanear promessas utópicas e distópicas de um futuro mediado pela automatização de dados, acessível a pessoas comuns. Falar sobre IA hoje demanda, mais do que nunca, certo rigor conceitual. Especialmente de um ponto de vista antropológico, onde importa não apenas uma definição conceitual teórica e objetiva, mas também como o termo é utilizado em campo pelos colaboradores. No caso de sua pesquisa, Munhoz diz que "No Superior Tribunal de Justiça, esse vocabulário das IAs começou a ganhar mais força a partir de 2018, quando o Athos, programa pioneiro de IA foi lançado, ainda em caráter experimental". 


Segundo a pesquisadora, a ideia era que esse programa, que foi desenvolvido internamente no STJ, pudesse agrupar e comparar processos e sentenças, fazendo com o que as bases de dados ficassem mais compactas e permitindo que fosse criado um sistema de recomendação que pudesse ser utilizado pelos próprios ministros. Nesse processo, um algoritmo treinado tornaria possível identificar semelhanças entre milhares de processos, o que permitiria, em um segundo momento, uma seleção e novos agrupamentos de casos, de modo que  muitos deles pudessem ser julgados em conjunto. "O Athos apresentava-se, já naquele momento, como o caminho técnico ao sucesso das reformas processuais vindicadas pelo Novo Código de Processo Civil para a valorização da jurisprudência nacional". Ainda que esse processo não signifique a substituição de juízes por ferramentas de IA, como parecem sugerir muitas vezes entusiastas e críticos de seu uso, ele sugere que os setores técnico-administrativos ganham importância nos rumos futuros do tribunal e em seus processos de  tomada de decisões. 


Apesar de já observar uma crescente dos processos técnico-administrativos relacionados à  IA na sua pesquisa de doutorado, Sara interrompeu a seleção de materiais em 2020, razão pela qual essa reflexão teve um espaço modesto na tese (trabalhado, mais especificamente, no capítulo 5). Desde então, a pesquisadora considera que muita coisa se transformou e que, no cenário atual, há um notável aumento em iniciativas voltadas à automatização no tratamento de dados. Entre outros fatores, ela considera que a pandemia de COVID-19 foi marcante na aceleração da implementação de ambientes e lógicas digitais, o que também sugere um aumento do interesse por ferramentas de processamento de dados que usam inteligência artificial. "É neste importante ponto de inflexão das práticas da justiça, tal como operadas em um dos mais influentes Tribunais do país, que pretendo alocar minha nova pesquisa". 


De uma perspectiva antropológica, o momento quente das IAs sugere que temos muito a aprender a partir dos modos como os colaboradores mobilizam o termo. A que se referem os técnicos dos tribunais quanto eles dizem estar implementando ferramentas de inteligência artificial? Nesse sentido, Munhoz garante que seu interesse maior na pesquisa conceitual do termo é sua definição etnográfica. O que significa dizer que ela terá particular interesse nas formas como documentos e funcionários técnicos-administrativos mobilizam a ideia de inteligência artificial. Para além dos registros internos do STJ, ela acrescenta que também dedicará atenção aos modos como decisões sobre IA são tomadas em outros espaços do ecossistema jurídico brasileiro, como a eventual aprovação do Marco Civil de Inteligência Artificial, e como essas decisões podem afetar as atividades do STJ. 


Espero investir no exame etnográfico dos programas e projetos desenvolvidos nos últimos cinco anos para a automatização e implementação da IA nas rotinas de classificação, comparação e análise de processos e de Acórdãos pelo STJ, em programas como o Athos, mas também em testes mais recentes, com ferramentas como o Chat GPT, por exemplo. Assim, espero avançar em minhas investigações a respeito da uniformização e da democratização da justiça, com uma atenção especial ao modo como dados têm sido definidos, comparados e postos em circulação, e se o uso dessas novas ferramentas de IA recalibra, de alguma maneira, o campo a partir do qual a jurisprudência brasileira pode ser enunciada.


A controvérsia da IA em sua versão jurídica



A foto mostra uma estátua da justiça feita na sede do STJ.
Fotografia feita pela pesquisadora no STJ.

A possibilidade do uso de IA para dar celeridade à justiça parece jogar luz a um debate que não é recente. Munhoz diz que desde pelo menos os anos 80 há uma bem estabelecida contraposição entre justiça ágil e justiça emperrada, sobrecarregada, burocrática e que perde tempo com coisas menos importantes. No contexto atual, contudo, o debate é complexificado pelas consequências positivas e negativas de uma crescente digitalização e automatização dos processos no STJ. "É evidente que uma justiça ágil e precisa tende a ser considerada segura, eficiente e, portanto, democrática. Por outro lado, também estão cada vez mais explícitos e difundidos os riscos políticos vinculados ao culto contemporâneo à instantaneidade". Mas que riscos são esses? Para a pesquisadora, a defesa das IA geralmente se dá na direção de que automatizar processos internos da justiça (e sua disponibilidade para os vários setores interessados da sociedade) é trazer velocidade e precisão às decisões. Por outro lado, críticos tendem a observar os riscos inerentes à cessão de dados e de expertise de áreas seminais à segurança do Estado ao setor privado, em especial empresas big tech. Além disso, estaria em questão um problema justamente de transparência: ao massificar a tomada de decisão, torna-se mais difícil a identificação de falhas e a apuração de condutas inadequadas, uma vez que se perde informações importantes na passagem de casos concretos para abstrações estatísticas. "Entre esses dois pólos, estão os riscos da massificação, do apagamento das dissonâncias, das diferenças, das minorias. Além disso, o problema se complexifica com a utilização, por exemplo, de sistemas algorítmicos de aprendizado profundo (deep learning), que dificultam, ou mesmo impossibilitam em definitivo, o rastreamento de suas operações". 


Em suma, há uma expectativa no tribunal de que o uso de ferramentas de IA faça com que os servidores não precisem realizar tarefas repetitivas de comparação e agrupamentos de documentos semelhantes. Mas, por outro lado, há também um receio de que esses processos tornem a justiça menos transparente e menos capaz de identificar e evitar erros, bem como o risco de apagar informações fundamentais que só podem ser vistas diante dos casos concretos. Curiosamente, debate semelhante ao que a antropologia contemporânea coloca como questão diante um crescente flerte de certos setores das ciências sociais com o uso modelos e um uso predominante de metodologias quantitativas para a descrição de fenômenos sociais. Como antropóloga diante do tribunal, contudo, a posição da Dra. Sara Munhoz não será a de uma juíza - com o perdão do trocadilho. 


Minha contribuição, como antropóloga, não deverá ser exatamente a de fazer coro ou me opor simplesmente às apostas utópicas ou distópicas dos usos de IA nos processos jurídicos, mas descrever analiticamente, com criticidade e minúcia, como relações entre termos são constituídas. No meu caso, pela atenção à inteligência artificial, assunto em voga nos dias de hoje, pretendo olhar demoradamente para a democracia brasileira contemporânea e para seus anseios intrincados por uniformidade que apelam a maquinismos e tecnicismos digitais – e assim, espero examinar o que precisa ser apagado e o que deve ser criado para que a justiça contemporânea possa se fazer, e de que modos. 


Reportagem por Yama Chiodi para o blog do GEICT. Todos os direitos reservados.

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Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciência e Tecnologia, 2023. 

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