Conforme descrevi na primeira parte da reportagem, em 11 de setembro de 2023 foi realizada a IX edição do workshop do Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciência e Tecnologia, no Instituto de Geociências da Unicamp. Depois de uma primeira parte do evento dedicada a um café da manhã coletivo e de uma palestra de abertura do líder do grupo, Marko Monteiro, os 17 selecionados foram divididos em três grupos menores, cada um deles liderados por dois pesquisadores e uma pesquisadora externos convidados.
A divisão foi feita com base nas pesquisas dos participantes, conforme descrição feita no formulário de inscrição. Jean Miguel, professor recém-contratado pelo Instituto de Geociências da Unicamp, liderou o grupo sobre pesquisa etnográfica. Tiago Duarte, do departamento de sociologia da UnB e atual pesquisador de pós-doutorado na Unicamp, liderou o grupo sobre pesquisa teórica e meta-teórica. Finalmente, Rosana Monteiro, professora da Faculdade de Artes Visuais da UFG e pesquisadora associada ao DPCT, liderou o grupo sobre pesquisa documental e entrevistas. Na parte da tarde, cada um dos grupos apresentou uma síntese das discussões internas para todos os presentes, seguido de um debate.
Grupo 1: teoria e meta-teoria
O grupo sobre teoria e meta-teoria foi liderado pelo professor Tiago Duarte, da UnB. Atualmente ele está fazendo estágio de pós-doc no Departamento de Política Científica e Tecnológica, junto ao GEICT, mas suas conexões com o grupo são bem mais antigas. "Eu conheço o Marko tem mais ou menos 10 anos. Nos conhecemos em uma 4S (importante evento que ocorreu em Copenhagen) e, depois, nos reencontramos em vários congressos. Já estive em Campinas e SP anteriormente em eventos organizados por ele e pelo Jean Miguel, assim como o Marko já foi a Brasília algumas vezes para eventos de que participei da organização. Já publicamos juntos também".
Segundo Duarte, o debate interno do grupo teve como centro a reflexão em torno de fontes bibliográficas e de como a pesquisa teórica impacta nas escolhas metodológicas. A divisão entre teoria e prática nas pesquisas é sempre mais complicada do que se sugere a princípio. Por um lado, a escolha de certas teorias em detrimento de outras implica também em escolhas metodológicas, o que nem sempre é fácil de perceber. "Muitas vezes essas pesquisas são tratadas como se não houvesse uma metodologia por trás delas, o que é um erro", disse o professor. Por outro lado, o estudo da teoria ele próprio demanda rigor metodológico para a compreensão e contextualização da história e pesquisa do campo. Ele complementa que
"É preciso refletir de modo muito cuidadoso sobre o que ler, quando se deve parar de ler ou iniciar a leitura de todo um novo campo, como estabelecer recortes analíticos para se pensar as obras de determinados autores/as".
Além de seu líder, o grupo foi composto por Carlos Javier Villegas, Douglas Leite, Gláucia Pérez e Jéssica de Souza.
Grupo 2: pesquisa documental e entrevistas
Rosana Monteiro, professora da UFG, liderou o grupo que tratou de pesquisa documental e entrevistas. Para a pesquisadora, debater metodologia é sempre importante, mas ganha um papel ainda mais central a partir da disponibilização de conteúdo na internet. "No caso específico dos estudos de ciência e tecnologia, o debate sobre metodologia no contexto brasileiro é ainda bastante incipiente, com poucas publicações, e o encontro do GEICT desse ano pode contribuir para o avanço dessa discussão". Isabela Noronha foi uma das participantes do evento que não é membro do GEICT. Parte do grupo liderado por Rosana Monteiro, ela me disse que para além das questões individuais de cada pesquisa, um dos assuntos debatidos foi como aspectos não-teóricos das pesquisas também influenciam nas escolhas metodológicas.
"Além de discutirmos particularidades metodológicas de nossas pesquisas individuais, abordamos a questão de como as eventuais restrições de recursos (financeiros, logísticos ou de tempo) também influenciam e precisam ser considerados na escolha da metodologia. Em muitas situações, o contexto para realização do campo, das entrevistas, ou mesmo das transcrições, acaba por conduzir o delineamento metodológico tanto quanto a fundamentação teórica".
As pesquisas dos participantes estavam em diferentes estágios de desenvolvimento e os temas eram bastante diversos, de modo que o debate foi mais amplo para acolher as muitas possibilidades de pesquisa documental. Nas palavras da professora Monteiro, "Houve uma diversidade grande de temas e interesses relatados, entre os quais, tipos diferentes de fontes de pesquisa documental, acesso a essas fontes, registro de entrevistas e análise de dados, em particular a falta de informação sobre novas tecnologias disponíveis para os pesquisadores que trabalham com essas metodologias". Além da professora, participaram do grupo Heitor Cofferri, Isabela Noronha, Juan Mattheus Costa, Érico Perrella e Rafael Revadam.
Grupo 3: etnografias
Um dos membros originais do GEICT enquanto ainda era aluno da Unicamp, Jean Miguel retornou à universidade como professor no ano de 2023 e voltou ao workshop para liderar o grupo de etnografia. A discussão foi organizada a partir de questões comuns que as pesquisas individuais tinham. "O primeiro ponto, havia uma pergunta assim… porque etnografia? Porque escolhemos etnografia como metodologia?". Para Miguel, a etnografia permite com que os pesquisadores e pesquisadoras possam trabalhar com problemas que se manifestam em múltiplas escalas.
"Desde uma controvérsia que se processa num nível mais local, até o seu desdobramento, digamos assim, e suas relações com políticas, com estruturas de governança globais. A maioria dos trabalhos ali discutia algum tema cujo campo era local, porém a ramificação a partir do mapeamento que a etnografia proporciona, ganhava escalas de contextos regionais e globais".
Outras questões debatidas pelo grupo foram as dificuldades do método etnográfico. Como conduzir etnografias em diferentes contextos, como justificar sua cientificidade e, finalmente, quando interromper os processos de pesquisa e dar fim a ela? Para o professor Jean Miguel, responder essas questões passa por estar atento às relações que os cientistas sociais estabelecem com os cientistas naturais. Ele argumenta que frequentemente os cientistas naturais tratam a pesquisa qualitativa no lugar do mero complemento. "Então a ciência natural viria primeiro definir o conhecimento objetivo e depois a pesquisa qualitativa das ciências humanas complementaria aquele tipo de estudo, trazendo alguma complexidade do mundo social". Para ele, esse cenário faz com que seja necessário que as pesquisas que usam métodos qualitativos, o que inclui mas não se limita à etnografia, estejam atentas às possibilidades da pesquisa transdisciplinar. Essa tem sido a tônica de boa parte dos editais das agências de fomento.
"Essa busca por uma transdisciplinariedade eu acredito que seja um caminho interessante para pensar para quem pesquisa e trabalha com métodos qualitativos, entre eles a etnografia. De pensar numa justificativa para isso, se apoiar numa necessária adoção de uma pesquisa transdisciplinar".
Além do professor, participaram desse grupo de trabalho Jéssica Cardoso, Lucas Nishida, Pedro Vinicius Neres, Marcela Perpétuo e Felipe Figueiredo.
Impressões sobre o evento e perspectivas futuras
O formato inédito empregado no evento deste ano parece ter agradado os convidados e participantes. Lucas Nishida, da comissão organizadora, disse que a comissão ficou bastante satisfeita com os resultados.
"Como a atividade tinha elementos inéditos, não tínhamos muito parâmetro para saber como seria. Porém o engajamento de todos os participantes e os comentários cuidadosos dos debatedores foram fundamentais para a boa qualidade do evento. Os debates renderam".
A professora Rosana Monteiro também teve uma boa experiência e disse que gostou de como o evento foi estruturado: "Gostei bastante. Achei que o formato conferiu dinamismo ao workshop, possibilitando maior interação entre alunos e professores convidados". Jean Miguel disse que ficou impressionado com a qualidade do debate. "Foi uma experiência muito boa. Os e as participantes são pesquisadores e pesquisadoras de alto nível acadêmico. Eu não falo isso da boca pra fora. Percebe-se claramente que são pessoas bem preparadas, metodologicamente conscientes daquilo que estão fazendo. Aprendi bastante com as exposições do grupo".
Ao final do debate coletivo na parte da tarde, os participantes deram alguns feedbacks e possibilidades a serem pensadas para os próximos workshops. "Acreditamos que as devolutivas que recebemos sobre ampliar o escopo do evento, chamar mais debatedores de fora, são bastante pertinentes e podem ser consideradas em uma edição futura", disse Nishida. A perspectiva de eventos futuros gera uma expectativa ainda maior porque o próximo workshop será o décimo e continuaremos a ter a presença do professor Tiago Duarte como pós-doc no grupo. Ao comentar sobre as parcerias futuras com o GEICT, ele me disse: "Por ora, o pós-doutorado vai até julho do ano que vem, o que já estabelece uma perspectiva de colaboração que não finaliza este ano. Além disso, Marko, Jean e eu temos conversado sobre a organização de um workshop na Unicamp, no primeiro semestre de 2024, sobre o campo CTS e clima. Por fim, há a possibilidade de que o próximo workshop seja realizado em conjunto entre meu grupo de pesquisa, o Ciências, Tecnologias e Públicos (CTP), e o GEICT. Estou animado com essas possibilidades e espero que elas se concretizem".
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